23 de julho de 2012

O que os desenvolvedores indies brasileiros acharam de Indie Game: The Movie?


Desenvolver um jogo não é uma tarefa fácil. Acho que todos que estão lendo isso têm essa noção. Mesmo assim, poucos estavam preparados para o choque de realidade que o documentário Indie Game: The Movieapresentou sobre o processo de criação de um jogo.
Ao mostrar uma faceta até então inédita dos jogos indies, tão em voga no momento, ele entrega uma visão mais crua e intimista de criar um jogo, algo  completamente oposto ao modo quase industrial que o desenvolvimento de games se tornou.
Para entender melhor Indie Game: The Movie, nada mais apropriado do que vê-lo pela ótica de outros desenvolvedores indies. Por isso, conversei com Amora Bettany, do estúdio MiniBoss (responsável por um dos melhores jogos indies brasileiros: Out There Somewhere), Lucas Jock, que trabalha no TawStudio e já possui dois jogos independentes no currículo: Mr. Bree e Jelly Escape, além de Karol Kaczorowski, estudante do curso PlayGame da Escola SAGA e que está dando os primeiros passos na área de desenvolvimento.
Indie Game: The Movie é o resultado de dois anos de trabalho dos diretores canadenses  Lisanne Pajot e James Swirsky e apesar de só recentemente aparecer para o grande público, já era muito esperado por quem é da área. “Já fazia bastante tempo que estava esperando ele sair. Lembro que comprei assim que a venda ficou disponível, bem antes do lançamento”, conta Amora.
Já Karol foi bem além e pode-se dizer que ela contribuiu diretamente para a realização do documentário por meio do site Kickstarter, onde pessoas podem ajudar financeiramente alguns projetos. “Acreditei no potencial dele e ajudei com meus 15 dólares disponíveis, já sabendo que eles iriam conseguir fazer o documentário. Isso foi em 2011. Amante de games indie que sou, fiquei ansiosa pelo lançamento desde então”.
A ansiedade pela chegada do documentário era válida. Indie Game: The Movie retrata um período de ascensão e popularidade dos jogos independentes, ao acompanhar o desenvolvimento de três dos melhores exemplos desse gênero: BraidSuper Meat Boy e FEZ. Cada um deles em uma etapa diferente do processo de criação.
Os jogos, no entanto, parecem muito mais um fim para justificar a real importância do filme, que são as história de Jonhantan Blow (Braid), Phil Fish (FEZ) e a dupla Edmund McMillen e  Tommy Refenes (Super Meat Boy), mostrando seus ideais, suas formas de pensar um jogo e os sacrifícios pelo qual passaram.
Jonathan Blow, Phil Fish, Edmund McMillen e Tommy Refenes
Para Amora, o documentário retrata bem como é desenvolver um game independente. “A maluquice de ficar sem dormir, o abandono dos amigos e vida social, o perfeccionismo pro jogo sair legal”.
Essa opinião é compartilhada por Lucas: “(os desenvolvedores indies) foram retratados de uma forma maravilhosa e MUITO real. Todos esses altos e baixos, os problemas pessoais, internos e externos que acontecem nesse caminho”.
Karol achou que a principal qualidade do filme foi mostrar o lado mais humano do processo de criação de um game, ao apresentar o background dos desenvolvedores, quando eles decidiram criar games e o que eles querem realizar ao fazer esses jogos. No entanto, ela aponta que nem tudo foi bom no documentário.
“Eles quiseram apelar muito o lado emocional para que todos, gamers e não gamers, pudessem se sentir tocados, talvez? Achei exagerado, muito dramatizado. Também não achei informativo o suficiente para quem não é familiar com esse mercado”.
Certamente que o documentário presupõe que o espectador já tenha uma noção mínima do cenário de games em geral, mas isso se faz necessário para dar mais espaço aos conflitos dos desenvolvedores.
A própria Karol demostra a história de Jonathan Blow como algo que a prendeu. O filme mostra o desapontamento que o criador de Braid teve ao notar que as pessoas gostaram de seu jogo pelos motivos que ele considerava errado. “(Isso) Mostra que nem sempre um jogo consegue tocar as pessoas do jeito que o criador imaginava, e que não é uma tarefa fácil transmitir a mensagem que você quer através de um jogo, assim como deve ser em qualquer outro tipo de mídia. E que, mesmo sendo um sucesso, não significa que o criador fica contente com o resultado final”, disse a estudante de desenvolvimento de games.
Braid foi o precursor de toda essa nova leva de jogos independentes de sucesso, quando foi lançado para a plataforma online Xbox Live Arcade em 2008. Isso fez de Blow o desenvolvedor indie a quem se espelhar e esse é justamente o papel que ele faz no documentário, quase como um “gurú”. Apesar de mínima, a participação dele é importante para apresentar essa visão mais artísticas e autoral que os jogos independentes possuem.
Talvez  a parte do documentário que representa o real retrato do desenvolvedor indie seja a história de Edmund McMillen e  Tommy Refenes (que formam o estúdio Team Meat), mostrando o período final da criação e lançamento de Super Meat Boy.
Esse fator fez com que Amora se identificasse mais com a dupla. ” A situação que achei mais familiar foi a do Team Meat. Antes do Super Meat Boy, eles já tinham experiência de anos, alguns jogos lançados, sabiam melhor o que estavam fazendo. O McMillen tem essa conexão super forte com ele mesmo criança, isso a gente (da MiniBoss) também tem muito”, conta.
Lucas também diz que já conhecia os trabalhos, jogos e histórias de Edmund McMillen e, mesmo assim, acompanhar o processo de criação de Super Meat Boy foi um aprendizado. “O desenvolvimento do Meat Boy teve vários pontos altos e baixos, e sempre consegui aprender diversas lições com ele”, confessa.
E é justamente por meio de McMillen que vemos o equilíbrio entre o desenvolvedor que se expressa por meio dos jogos que faz, mas que também tem consciência de que aquilo é um produto que irá atingir outras pessoas. Bastante carismático e tranquilo, ele é o contraponto do tímido e anti-social Tommy Refenes, que diz fazer jogos só para si e acha títulos como Modern Warfare e Halo “uma merda”. Uma atitude muito mais “Dr. Fetus” de ser.
FEZ
O programador do Team Meat até pode ter as suas cotas de declarações fortes, mas se há alguém que é controverso no mundo dos jogos indies, ele se apresenta pelo nome de Phil Fish ou, como ele mesmo diz, “O cara do FEZ”. Indie Game: The Movie alimentou ainda mais a imagem polêmica dele ao mostra sua ascenção e queda na cenário de games.
Do prestigio ao ganhar um prêmio no Independent Games Festivalde 2008, quando FEZ não era mais que uma demo, até as duras críticas que ele recebeu pelos constantes atrasos no game, o documentário mostra em Phil Fish uma pessoa angustiada, bipolar e emocionalmente frágil, ao ponto de admitir que se mataria caso não concluísse FEZ.
O jeito como ele se apresenta no filme gerou não só polêmicas como também críticas de outros desenvolvedores, uma deles é Amora: ” Fiquei desanimada com o exemplo do Phil Fish, um cara que tem tudo na mão e ainda ainda assim reclama do começo ao fim do filme. Me fez pensar em todas as pessoas talentosíssimas pelo mundo que não tem, e provavelmente nunca vão ter, oportunidades para fazer e mostrar o que querem. E ele tem, mas não dá valor. Se faz de coitado, reclama de coisas que a gente nem sonha em ter por aqui”, desabafa a co-fundadora da Miniboss.
Para não dizer que todos odiaram Fish, Lucas diz que sentiu uma proximidade com o criador de FEZ. ” Me identifiquei em certos pontos com todos, mas o Phil Fish se destacou por vários motivos. Pela sua idade, pelos sacrifícios que fez, sua condição física, mental, social e financeira. Um pouco de privação de todos esses aspectos já aconteceu comigo”.
Apesar  de controverso, Phil Fish não deixa de ser um personagem interessante na construção do documentário como um todo. O que é mostrado sobre ele pode ser envolvente para quem nunca ouviu falar de FEZ antes e ainda mais para aqueles que acompanham a trajetória do jogos todos esses anos.
Phil Fish observa jogadores testando FEZ pela primeira vez
É importante frisar que Indie Game The Movie não é um grande “Making of” desses jogos indies, ele é um documentário e, como tal, tem a proposta de retratar uma realidade. Por isso, dado todos os sacrifícios e dificuldades mostradas, ele poderia ser desestimulante para as pessoas que sonham em fazer disso sua profissão. Pessoas como Karol, que está terminando o curso de desenvolvimento de jogos.
Ela admite que Indie Game: The Movie não mostra um lado tão empolgante de ser um desenvolvedor, mas afirma que o filme a incentivou ainda mais. “Ver o filme só me deixou com mais vontade ainda de seguir carreira nisso! Talvez por eu estar passando por muitas coisas que eles passaram e eu ter me identificado muito. No momento, estou fazendo o TCC do meu curso. Ando muito estressada por causa disso, e já perdi a conta de quantas vezes passei raiva e quis largar tudo. Mas assistir ao filme me deu novas energias para continuar”.
Já para Lucas, o que é mostrada no documentário serve para fazer os aspirantes a desenvolvedor realmente saberem o que os esperam pela frente.”Com esse conhecimento, as pessoas podem ver mais claramente se isso é algo que elas queiram ou não”.
Depois de 96 minutos escancarando um lado pouco visto da industria de jogos,o que Indie Game The Movie tem a acrescentar?
Lucas diz que a forma como o documentário se apresenta possibilita que outras pessoas entendam melhor o desenvolvimento de um jogo.”O documentário retratou tudo de uma forma bonita, poética, emocionante e numa linguagem simples, que pode ser compreendido por todos, não só profissionais da área. Acho que, de certa forma, esse documentário conseguiu falar um pouco por todos nós, desenvolvedores independentes”
Amora também vê uma importância maior de Indie Game: The Movie para o público geral. “Eu acho que o filme não traz muita coisa nova pra quem já é indie, ele é muito mais importante para as pessoas que não trabalham na área e não entendem o que a gente faz”.
Com os indies ganhando cada vez mais visibilidade e importância no mercado de games (importância essa que Braid, Super Meat Boy e FEZ ajudaram a construir), Indie Game: The Movie consegue tratar o assunto de forma madura, ao mesmo tempo em que coloca emoção, sejam eles bons ou ruins, por trás daqueles códigos de computador e pixel art.
É estimulante também pensar que a história desses três jogos e seus criadores foi só uma parte de todo o material que os diretores Lisanne Pajot e James Swirsky possuem. Outras histórias de designers e programadores foram documentados pela dupla e estão só esperando para serem mostradas… E que elas sejam tão ou mais fascinantes para quem, acima de tudo, ama fazer e jogar videogames.
Os Desenvolvedores Indies Brasileiros: Amora, Lucas e Karol
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Indie Game: The Movie custa US$ 9,99 e, por enquanto, só pode ser adquirido digitalmente no próprio site oficial do filme. Ele também está a venda no Steame no iTunes. Um detalhe importante para nós brasileiros é que o documentário tem opção de legendas em Português, feitas pelo Arthur Protásio, do canal do Youtube Vagrant Bard, e que estão excelentes.
Indie Game: The Movie (2012)
Diretores:  Lisanne Pajot e James Swirsky
País: Canadá
Duração: 96 Min

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